Mudanças à vista nas agências reguladoras
- Notícias Ferroviárias
- 22 de jul. de 2016
- 4 min de leitura
Os futuros indicados ao primeiro escalão das agências reguladoras precisarão ter pelo menos dez anos de experiência profissional na área e serão escolhidos com base em uma lista tríplice encaminhada à Presidência da República. Esse é um dos principais pontos de proposta elaborada pela Casa Civil para despolitizar as agências e transformada em substitutivo de um projeto de lei que já tramitava no Senado.
Em reta final de preparação no Palácio do Planalto, o pacote de medidas para melhoria do ambiente de negócios vai incluir mudanças significativas nos órgãos reguladores.
Ao Valor, o ministro Eliseu Padilha disse que pretende mobilizar a base aliada do governo no Senado para aprovar a proposta já em agosto. Atualmente, o projeto está na Comissão da Agenda Brasil, que reúne conjunto de medidas que os senadores - principalmente do PMDB - consideram necessárias para enfrentar a crise econômica.
Padilha ressaltou que a nova lei geral das agências segue a mesma linha da mudança nas normas para empresas estatais - já sancionada pelo presidente interino Michel Temer - e também para as regras de responsabilidade dos fundos de pensão, que está na lista de prioridades do governo na Câmara dos Deputados.
Queremos mudar esse ambiente regulatório, impedir indicações políticas. Isso melhora o ambiente econômico, disse o ministro da Casa Civil, em conversa com o repórter Thiago Resende, frisando que essa é uma medida de Estado, e não de governo.
Frequentemente loteado entre indicados políticos, o primeiro escalão das agências passaria a ter um processo público de pré-seleção. Uma comissão a ser instituída por decreto presidencial, após a aprovação do projeto de lei, abrirá chamamento para recrutar interessados em ocupar os cargos de diretoria colegiada. Só poderão se candidatar profissionais com dez anos de experiência prévia na área, no mínimo, ou pelo menos quatro anos em postos de chefia no setor regulado.
Todo o processo deverá estar finalizado 120 dias antes do término do mandato de cada diretor. Em seguida, essa comissão listaria três nomes para encaminhamento ao presidente da República, cujo prazo para decisão será de 60 dias. Não se sabe ainda quem a comporá, mas a promessa é de que não seja formada por uma patota de caciques partidários. A definição com antecedência visa evitar situações de vacância na cúpula das agências.
No governo da presidente afastada Dilma Rousseff, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) chegaram a ficar períodos de quase três anos sob o comando de interinos, que não haviam sido sabatinados e aprovados pelo Senado.
Pendente de pequenos ajustes, o texto amarrado pelo Planalto transformou-se no relatório da senadora Simone Tebet (PMDB-MS). Marcelo Guaranys, ex-presidente da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e técnico de carreira da Fazenda, foi um dos responsáveis pela redação. Atualmente ocupa a subchefia de análise e acompanhamento de políticas governamentais da Casa Civil.
Há um nítido contraste com a visão predominante na era petista. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva mal havia subido a rampa quando, no 49º dia de sua administração, convocou seus líderes no Congresso, em fevereiro de 2003, para atacar o poder paralelo das agências e tomar providências contra o processo de terceirização do Estado. Elas mandam no país, reclamou o ex-presidente, conforme relato feito logo em seguida por um dos participantes da reunião, seu então aliado Roberto Jefferson.
A ira de Lula resultou no PL 3.337, que chegou à Câmara em 2004 e sempre caminhou de lado. O projeto estava cheio de aspectos controversos. Um deles era o estabelecimento de contratos de gestão e desempenho entre agências e ministérios. Esse contrato deveria ter uma pactuação de metas e obrigações - vista como uma forma de ingerência no trabalho dos reguladores. Temia-se, inclusive, a abertura de uma porta para a destituição de diretores com mandatos estáveis e cortes orçamentários em caso de descumprimento.
O novo texto prevê a formulação de planos de gestão anuais, mas feitos por suas próprias diretorias e com mecanismos mais flexíveis de acompanhamento das metas, sem prejuízo da autonomia financeira das autarquias.
Outro passo importante é justamente esse: as agências vão se tornar unidades independentes no Orçamento Geral da União. Isso não significa que ficarão livres de eventual contingenciamento. Algumas, como a ANP (petróleo e gás) e Aneel (energia elétrica), têm arrecadação superior às suas necessidades por causa de taxas específicas cobradas de empresas reguladas ou dos próprios consumidores.
Se o projeto for aprovado, a grande diferença é que as agências não ficarão mais à mercê dos ministérios aos quais estão vinculadas. Isso as deixa em constante subordinação ao ministro de turno, que hoje está munido de condições legais para adotar uma atitude de represália quando se sentir contrariado e pode concentrar os cortes de sua pasta nos órgãos reguladores.
À luz da realidade nos últimos anos, não são perfumaria trechos do artigo que tratam, por exemplo, da duração dos mandatos. Os diretores poderão ficar cinco anos em seus cargos, mas sem a hipótese de recondução, o que evitaria situações como as vividas na Aneel e na Agência Nacional de Cinema (Ancine), onde os presidentes Romeu Rufino e Manoel Rangel, respectivamente, já exercem o terceiro mandato seguido. São ambos conhecidos pela capacidade técnica, mas a possibilidade de perpetuação nos cargos sempre pode incentivar outros dirigentes a pautar sua conduta pela chance de recondução. Talvez até seja ilusão achar que mudanças nas agências reguladoras serão capazes de destravar grandes investimentos, mas dotá-las de maior profissionalismo e diminuir o espaço para a ingerência política em órgãos eminentemente técnicos é uma medida protelada há tempos e que não fará mal a ninguém.
Valor Econômico // Revista Ferroviária
Comments