5 lições da Suíça sobre uma obra pública. E as comparações com o Brasil
- Notícias Ferroviárias
- 14 de jun. de 2016
- 5 min de leitura
Bruno Lupion || Nexo
Túnel de São Gotardo, que corta os Alpes e é o maior do mundo, foi inaugurado 6 meses antes do previsto e com orçamento apenas 20% acima do estipulado. Projeto virou referência
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ARND WIEGMANN/REUTERS
O Túnel de São Gotardo, que corta os Alpes suíços e tem 57 quilômetros de extensão, o maior do mundo, demorou 20 anos para ficar pronto. Mas foi inaugurado seis meses antes que o previsto, em junho de 2016, a um custo de € 12,5 bilhões, 20% acima do estipulado duas décadas antes de sua conclusão.
A obra liga as cidades de Erstfeld e Bodio, facilitando o trânsito de cargas e pessoas entre a Alemanha e a Itália. A pontualidade e o orçamento sob controle da empreitada hoje é vista como um exemplo na execução de obras públicas.
A Hertie School, sediada em Berlim e dedicada ao estudo de políticas públicas, elencou cinco motivos que fazem do Túnel de São Gotardo um sucesso do ponto de vista da execução. A lista faz parte de um relatório sobre governança divulgado pela entidade em junho.
Os alemães, famosos por seus bons engenheiros, olham para a experiência suíça como um exemplo a ser seguido. O documento da Hertie School lembra a problemática construção do aeroporto de Berlim, que já gastou mais que o dobro do orçamento inicial e está quatro anos atrasada.
Estes são os motivos do Túnel de São Gotardo ter sido entregue com prazo e orçamento razoáveis:
Planejamento abrangente antes da contratação#
A Swiss Federal Railways, empresa pública responsável pela administração da malha ferroviária suíça, planejou a obra e fundou uma subsidiária chamada AlpTransit Gotthard para coordenar a construção do túnel de São Gotardo.
O projeto, segundo a Hertie School, foi desenvolvido por gestores experientes que desenharam o modelo de contratação de empreiteiras e mantiveram uma relação próxima com as empresas selecionadas. O relatório elogia o estabelecimento de um fluxo de informações constante e confiável entre as empreiteiras e os supervisores da obra. A Swiss Federal Railways será a operadora do túnel.
Como é no Brasil
Há um debate no país sobre qual seria o melhor modelo para projetar obras públicas. A lei atual não exige que o governo apresente um projeto executivo completo, com todas as variáveis, materiais e custos da obra. Muitas licitações são executadas apenas com o projeto básico, que apresenta diretrizes e custos simples, o que abre espaço para atrasos e aditivos — pagamentos extras que a construtora tem direito de solicitar quando a execução da obra encontra imprevistos. No caso do túnel suíço, o projeto foi elaborado por uma empresa pública.
Há duas propostas em discussão no Congresso: obrigar o poder público a ter um projeto executivo completo antes de licitar a obra, o que reduziria imprevistos, mas demandaria investimentos do Estado nessa fase, ou dar à empreiteira vencedora do projeto a possibilidade de elaborar o projeto executivo, no modelo conhecido por Regime Diferenciado de Contratação.
Memória institucional#
Funcionários de diversos órgãos da administração pública suíça, como o escritório federal de auditoria, já tinham experiência em infraestrutura de projetos e túneis. O tamanho pequeno do país e a objetividade do projeto, focado em escavar através de uma montanha, impediu que o projeto se tornasse demasiadamente complexo. Segundo a Hertie School, o modelo alemão envolve múltiplos órgãos federais na fase de financiamento e administração de projetos e complica a execução desse tipo de obra.
Como é no Brasil O país ainda caminha para definir um mesmo órgão que reúna o conhecimento para planejar e licitar obras. A EPL (Empresa de Planejamento e Logística) foi criada em 2012 para estruturar projetos do governo em rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. A empresa é responsável, por exemplo, pelos projetos da rodovia bioceânica, que pretende unir o Brasil ao Peru, e do Ferroanel Norte de São Paulo, mas passou por um processo de esvaziamento em 2015. O governo também conta com o DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes). Ambos os órgãos são vinculados ao Ministério dos Transportes e já enfrentaram acusações de corrupção.
Já a Petrobras se destaca como bom exemplo. A estatal foi capaz de utilizar sua memória em pesquisa e desenvolvimento na exploração de petróleo em águas profundas para a descoberta do pré-sal.
Participação dos cidadãos#
A construção do túnel de São Gotardo foi confirmada por diversos referendos. Em 1992, uma consulta à população obteve o apoio de 64% dos suíços para o início das obras. Em 1994, um outro referendo proibiu a construção de novas rodovias pelos Alpes, para evitar danos ambientais, o que fortaleceu o papel do túnel. Essa participação dos cidadãos foi considerada vital para acumular apoio público ao projeto.
Como é no Brasil O país não tem tradição de realizar referendos para ouvir a opinião da população sobre obras públicas, apesar de o mecanismo de consulta ser autorizado pela Constituição Federal.
Reavaliações dos riscos e custos#
Havia incerteza sobre como seria a escavação através de diversas camadas diferentes de rocha, e os projetistas desde o início tinham consciência de que o custo estimado poderia mudar ao longo da execução. Os riscos e necessidades foram sendo continuamente reavaliados, de modo que não houve surpresa quando foi necessário fazer uma suplementação de orçamento de cerca de 20% do valor previsto.
Como é no Brasil O país convive com uma rotina de aditivos na execução de obras públicas. Um exemplo é a transposição do Rio São Francisco, que tinha orçamento inicial de R$ 4,5 bilhões e consumiu, até dezembro de 2015, R$ 9,5 bilhões. A discrepância entre o custo previsto e o final não se justifica por incertezas previstas no projeto, mas decorre de erros do próprio planejamento. O governo afirma que entregará as obras da transposição em dezembro de 2016.
O PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), criado em 2007, estabeleceu uma lista de obras prioritárias para o governo federal e passou a publicar relatórios periódicos da execução das obras. Essa iniciativa ajudou a ampliar o controle da sociedade sobre os empreendimentos, mas não tem impacto sobre atrasos ou aditivos.
Vigilância financeira contínua#
Um comitê parlamentar permanente ficou responsável por avaliar e autorizar despesas adicionais no túnel de São Gotardo. Essa vigilância ajudou a conter gastos desnecessários e manteve o projeto dentro do orçamento por oito anos após a suplementação ter sido concedida. Segundo a Hertie School, na Alemanha esses comitês parlamentares só revisam os projetos após sua conclusão, para investigar o que deu errado.
Como é no Brasil Em âmbito federal, o TCU (Tribunal de Contas da União), órgão auxiliar do Congresso Nacional, fiscaliza a execução de obras com dinheiro da União enquanto elas são executadas. Esse controle é feito à distância, por meio de análise contábil, ou in loco, com o envio de servidores ao canteiro de obras para avaliar o estágio da empreitada e os materiais utilizados.
Se encontrar irregularidades graves, o TCU as comunica à Comissão Mista de Orçamento do Congresso, que tem poder para determinar a suspensão de pagamentos às empreiteiras. Em 2010, por exemplo, o TCU apontou 18 irregularidades graves em obras do PAC.
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