O Brasil e o trem de passageiros
- Notícias Ferroviárias
- 6 de mar. de 2016
- 3 min de leitura
Por Dilson Fonseca | Diário de Corumbá

Imagem meramente ilustrativa
Na década de 50, o Brasil chegou a transportar mais de 100 milhões de passageiros por ano, mas hoje, no Brasil, há somente três linhas de trem fazendo a condução regular de pessoas em trechos de longa distância.
Apesar das recentes discussões para a retomada de algumas linhas como forma de desafogar os aeroportos e estradas, os dados do Anuário Estatístico dos Transportes Terrestres mostram que o processo de definhamento do transporte ferroviário, iniciado na década de 50, continua em curso. Em 1996, eram 4,3 milhões de passageiros por ano. Em 2005, foram só 1,5 milhão.
Hoje, contam-se nos dedos os trens de passageiros que trafegam pelo país, embora o Regulamento dos Transportes Ferroviários -aprovado por decreto do ex-presidente FHC e assinado antes do processo de desestatização do setor em 1996- determine, no artigo 34, que esse tipo de composição tem "prioridade de circulação sobre os demais". Das três linhas hoje em funcionamento, as duas mais importantes talvez nem sequer existissem se não houvesse a obrigação contratual, por parte da Companhia Vale do Rio Doce, de mantê-las em operação.
Essa imposição consta do contrato de concessão assinado na privatização da empresa, em 1997, e determina que ela mantenha o transporte de passageiros nas estradas de ferro Vitória a Minas -que liga Vitória a Belo Horizonte- e Carajás -que vai de São Luís (MA) a Carajás (PA). No entanto, por ser uma mineradora, e não uma empresa de transportes, a Vale deixa claro que não tem interesse em desenvolver novas linhas.
A terceira linha regular em funcionamento é a Serra Verde, que liga Curitiba a Paranaguá (PR), mas ela é explorada principalmente com fins turísticos e transporta só 130 mil passageiros por ano, segundo a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres). Para especialistas ouvidos pela Folha, a troca de trens por carros fazia sentido na década de 50 e foi uma tendência mundial num momento em que ter automóvel era sinônimo de progresso e liberdade.
A falta de investimentos públicos na malha ferroviária brasileira continuou nos governos que sucederam o de JK e prejudicou não só o transporte de passageiros, mas também o de cargas, que sempre foi a principal finalidade desse meio. Em 1996, a solução encontrada pelo governo FHC para retomar os investimentos no setor foi conceder linhas públicas para que a iniciativa privada pudesse recuperar o transporte de cargas. Não se tratou, contudo, do transporte de passageiros. Apenas foi exigido das empresas que cedessem espaço em suas linhas a operadores que viessem a se interessar pelo negócio.
Para o ex-ministro dos Transportes Alcides José Saldanha, que ocupou o cargo de agosto de 1996 a maio de 1997, a decisão foi acertada porque, como o transporte de passageiro estava sucateado, não havia interessados em sua exploração. Ele defende, no entanto, uma rediscussão dos contratos. "Imaginávamos que a revitalização do transporte de cargas permitiria desenvolver também o de passageiros. Se isso tivesse acontecido, o apagão aéreo não teria o impacto que teve. Talvez tenha sido um erro arrendar as linhas apenas para o transporte de carga. Hoje, acho que os contratos de concessão devem ser reavaliados e rediscutidos para tornar possível a volta do trem de passageiro em condições de conforto."
Paulo Henrique do Nascimento, consultor e presidente do Movimento Nacional Amigos do Trem, critica a prioridade dada à carga. "Os trens de passageiros, após a privatização, tinham que parar para os de carga passar. Sou testemunha disso. Em 1997, faltando apenas dez minutos para chegar à estação, fiquei duas horas esperando um trem de carga passar num cruzamento", diz.
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